31 dezembro 2011

Passeio

Morávamos a frente da Praça Jacques Rousseau, mas preferia citar o centro náutico como referência, embora há muito ninguém remasse mais naquele rio. Bem antes da crise ambiental, ou de saber-se sobre o efeito estufa, os velhos vizinhos já comentavam que a água baixava a cada ano, o que se confirmava pelas fotos da sala de troféus em abandono.

Depois de longa espera peguei um raro taxi que passara. Senti como se fosse, deste e por aqueles lados, um inesperado passageiro, e pelo ânimo do motorista, indesejado e derradeiro.
Observo a forma como algumas pessoas encaram suas atividades, comparo com a vontade que tantas vezes tive - enquanto tinha forças- de jogar tudo para o alto, xingar, ofender, defender-me sem covardia, mas a tudo revertia, pois manter disposição e simpatia eram obrigações básicas para chegar a algum lugar. Como agora, voltando: “Na Praça Jacques Rousseau, na frente do Centro Náutico!”.

Reconheço meu tio, mesmo na imagem gasta que deixa o grupo todo muito parecido: jovens enfileirados de calções pretos e camisetas brancas postados junto ao estandarte. Ele,  o terceiro atleta da primeira fila.  Mesmo não compartilhando gosto algum pelos esportes, evoco a afinidade e as trocas em nossos longos diálogos, desde pequeno, até que que ele que ele se parta.

Por ali moravam tantos de meus amigos.

Foram mais voltas do que necessário, mas não manifestei o engano, nem reclamei; perderia alguns trocados, mas me envolvi nas imagens e nas cores gris da madrugada. Alimenta-me a saudade as mudanças do que se cerca, mas também sofro pela decadência destes prédios mal cuidados. Por ali ficavam tantos de meus amigos... mas agora são  negócios a substituir suas moradas.
Tive vontade de pedir para parar o carro, de descer. Quem sabe, se ainda fosse dia, fazer uma fé na loteira, na farmácia  tomar um comprimido, aproveitar para comprar uma lanterna. Luz, quero luz...

 “Chegamos!"

A praça tem nome de iluminista, mas vive ao breu- julgo: devia ter reclamado da má fé do taxista?

Não é comum alguém surgir a esta hora - os mais jovens saem, mas não voltam, as vezes somem em definitivo, os demais, na sua maioria, enchem a cara de álcool ou sedativos para abreviar o fim dos dias.

Quando saí era claro, enfrentei cego quadras de um longo caminho movido por falsa expectativa. A cidade cresce pelos lados e se enfraquece na periferia. Estava ali, eu, no centro desta trajetória, perdido ao lado do leito quase seco do rio da minha infância e solto em um espaço que não faz jus nem a quem enaltece. Estava ali, eu, desbotado, embora vivo, como meu tio, na antiga fotografia.

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