31 outubro 2012

Sem Imagem


Desde há alguns dias carrego um corpo que não me pertence. Não sei se é vírus, encosto ou bactéria, alma penada ou idade avançada, mas algo, que não é meu, coordena  passos, atos e pensamento.

Resolvo combater a astenia com forçado movimento, afinal, depois de tantas horas de madorra, cochilos e sonhos desagradáveis, credito à rua o poder de exortar certo  mau humor e, quem sabe, arrumar a cara amassada.

Moro numa cidade de contradições: pobre, e talvez por isso, a exaltar um passado de falsas glórias, reverenciando, entre outras dicotomias: a riqueza sem trabalho, a cultura com arrogância. Aqui vale o  preconceito da ilusórias diferenças nos estratos: culturais, financeiros, sociais e - acreditem-  genealógicos. Nasci neste, como seria em qualquer noutro lugar, só por acaso. Esta terra, como a vida, são-nos emprestados- mas nem todos entendem.  Então, quanto mais envelheço, mais tento reforçar  meus particulares princípios e a forma de conviver sem me incomodar com o que me envolve. Aparentemente alheio ao que determinam como sociedade, consigo refugiar-me em um círculo alternativo, não menor, mas menos perceptível: que me acolhe, enriquece e dá significado para que me encontre feliz, mesmo atolado neste contexto.

Adoro tênis confortáveis, como  também carregar uma bolsa atravessada para, disfarçado,  recorrer quando oportuno à máquina fotográfica. Gosto da camisas por  fora das calças e de calças que sirvam para todos os eventos, como o de hoje - ir a a abertura da  Feira do Livro.

Que bom seria elevar o espírito com as letras, mal julguei, ou poder observar as pessoas em seus diversos estados, modos, etnias e comportamentos. Quem sabe, meio invisível, sacar da máquina e registrar as idiossincrasias desta gente.  Procuro o colorido e a riqueza que estes encontros permitem, e eu, assim, divirto-me. Fiz isso variadas vezes, e por isso optei fugir novamente de casa. Seria bom, mas, não hoje! Não sei, há dias carrego um corpo e um pensamento que não me orientam,  e seja por micro-organismo ou rabugice, detive-me  mais nos termos e nos ternos, mais nas "aristocracias" e hipocrisias, nos grupos de falsos intelectuais e baixas autoridades a discutir uma cultura que, embora acreditem, nem de longe lhe pertencem, pior: posando cínicos para uma população sem graça. Não consegui deixar de me envolver, e como nos pesadelos que até a pouco evitava, absorvi a melancólica realidade desta comunidade. Volto pela distancia entre meus tênis e os seus sapatos apertados, volto, pelo desejo de ser invisível ao palco que alimenta estes personagens, suas mentiras e bobagens, volto.. quem sabe em outro dia, aí talvez,  com boas imagens.

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