29 março 2012

Praguejar

Provável que tudo de certo, mas ontem foi um dia de cão.

Era para ter sido de folga já que havia como único trabalho um plantão até as oito da manhã e depois quem sabe dormir um pouco ou dar uma volta no centro, ver uma roupa nova para a formatura do fim-de-semana ou ainda, quem sabe...sair para fazer fotos.

Mal abri a porta de casa o celular toca me chamando para um inesperado retorno a labuta, e, para quem já havia chegado a pé, bastou dar meia volta e seguir a passo. Antes fui tomar uma água e recolher da porta da geladeira a conta da lavanderia pelos edredons e cobertores guardados e uma longa lista de compras para o almoço; agora teria que achar espaço para em algum momento enfrentar um supermercado. Menu: galinha com queijo e batata assados - as vezes Isabel capicha, e acerta.

Confesso, o medicamento que usei para o pulmão na semana passada deu efeito colateral retardado, então, meio do caminho, muito mais rápido do que meus apressados passos fui acometido por dolorosas cólicas.

Nada de apreciar paisagens ou buscar imagens; a única a materializar-se  era a de um  banheiro, qualquer um que  me surgisse.  Foi o justo tempo de entrar no trabalho para ser acolhido ao sanitário. Abatido e suado não tive chance de  praguejar o mal indevido do antibiótico ao vaso.

Fiz o que devia e o retorno foi mais leve.  Insisti em levar alguma foto e  poder treinar na nova máquina. Uma semana não é nada frente a tantos recursos inexplorados.

Catedral, marco arquitetônico e histórico da cidade, agora, patrimônio do Estado. É do povo, logo, fotografia!
A luz, a hora, as imagens... as grades. Por trás delas um cartaz pintado -"Casa de Deus, seja bem vindo". Mas e o acesso? Fiz a volta no prédio e só vi  portas e cadeados; tive pena até dos santos encarcerados, afinal para que servem assim isolados? Agachado, tentando flagrar o fato, imagino em foto o quadro: um cartaz ao fundo da grade na ironia de uma frase - paradoxo.  Recebo um leve toque no braço.
"O senhor é católico?" me pergunta um ancião com cara de padre. Sacudo afirmativo a cabeça balançando a alça da caixa fotográfica.
"Então contorne pela secretaria que lhe deixarão fazer, lá dentro, retratos."
Desisti indignado - da  crença há algum tempo, do cinismo àquela hora. Guardei equipamento sem saber que faria a derradeira imagem, e me fui para a casa. Casa não... supermercado.

Novos chamados e ao perceber a manhã estava acabada. Onze horas e tanto e nem o pequeno rancho fora comprado. O que seria dos que me esperavam: nem frango, nem batata; o melhor era trocar o prato para algo  mais rápido - fastfood em casa não dá para assado.

Nas filas, conversas desnecessárias: Soube da mãe que correu com a filha; do irmão do marido desempregado; da festa de 12 anos da menina - motivo de um carrinho lento de tão abastado. Demora e mais atraso.

Engoli a comida mal passada, reprogramando o resto de tarde  de falsa "folga".

Bate à porta um agente funerário, a cachorra louca pula como se enxergasse espíritos, atrapalho-me com papéis e carimbos, melhor deixa-la fechada no quarto do filho, afastada.

Dispensado o obituário e caio morto no estofado. Acordo duro e dolorido já no meio da tarde, intervalo.
Convido o filho para um café na rua, uma volta nos camelôs, quem sabe uma nova lente para a maravilhosa  máquina de retratos.
A máquina... primeira tentativa de foto depois de praguejar Deus e seus enviados. Resultado: uma imagem negra, nula e apagada... custei a acreditar, mas  meu mais novo brinquedo estava estragado.

Tira lente, bota bateria, tudo processo  reiniciado, volta sistema ao padrão de fábrica e mesmo com tudo testado, nada dela  fazer retrato.

A esta estava no café, o líquido  desceu queimado, o pão nem foi degustado; corri para a loja na expectativa de que seria acalmado. Afinal sou há muito cliente, dos mais fiéis e respeitados; lá comprei TVs, instrumentos musicais, aparelhos de som e fotográficos.

De mão em mão o objeto foi novamente avaliado: tira lente, bota bateria... até ao final de minutos ouvir o que já sabia, o aparelho estava travado.
Agora vinha a resposta do que seria acordado. A compra tinha poucos dias, não houve mal uso ou descuido.
Pela dúvida fomos até um técnico junto com o gerente da firma:  tira lente, bota bateria...  antes do diagnóstico pediu para ver se usava meia fina, não entendi a piada até indicar meias grossas - este era um defeito que raramente aparecia, algo como ser premiado na loto ou pegar escarlatina.

De volta a loja soube da matriz em outra cidade, que embora tivesse oito ou nove dias de uso, o aparelho seria consertado. Ainda tentei falar com o "importante" encarregado que não me deu direito de ser ouvido: "trata-se de um produto caro, passou mais sete dias, agora só com a assistência que fica em São Paulo".

Procurei advogado, 0800, diretor da loja e afilhados. "Montado em um porco"  voltei a loja irritado. Tanto, que me ofereceram uma cadeira a frente de uma TV 3D, um copo de água e um violão afinado (?). Roguei por todos os lados, arrolando as compras, por anos, efetuadas.
Procon, imprensa, noticiários, minha profissão e contatos. Discussão a portas fechadas do gerente com seu superior imediato, e  eu aguardando... sentado.

Pode ser que me troquem o produto, do contrário inicio campanha nos meus espaços. Aguardo.

Hoje mais aliviado procurei algo menos tecnológico para não correr o risco de ficar frustado. Comprei uns livros históricos: da cidade, do Facebook  e dos Deuses Mitológicos.

Pode ser que tudo de certo, mas não estou convencido de fato.
Vamos ver se daqui a dois dias volto a fazer meus retratos.

Ah sim, esqueci até a noite a cachorra presa  e ela fez o que não devia no cobertor recém-lavado.

Ps: última foto - Catedral fechada.

Um comentário:

Maria da Graça Reis disse...

COMO SEMPRE, DESCRIÇÃO RICA EM DETALHES... PARECE ATÉ QUE ESTAVA JUNTO E PODIA VER A CENA !!!! ISSO TUDO NUM DIA SÓ? HAJA SAÚDE E PACIÊNCIA. ADOREI A NARRATIVA.