12 janeiro 2007

Vida Mansa

Vinha eu caminhando sob um calor terrível, suado com pasta pesada pendurada, atrasado para o trabalho, quando, passando por praça central desta rica cidade, deparo com a seguinte cena. Peço desculpas pela qualidade da imagem tirada com o celular, mas não pude me furtar de faze-la, porque além do caráter jornalístico marca a indignação e o inusitado. Protegido por uma generosa e agradável sombra está este indivíduo a sono solto, como em casa... até aí nada que qualquer cidadão não mereça, seria o desfrutar de em um espaço público, até porque muitos cidadãos desta urbe assim o fazem, muitos, mesmo sendo 16 horas de um dia que deveria ser útil, e, os que fazem, a maioria em idade fértil, digo produtiva, é nestas hora, também porque por aqui prevalece o desemprego e a preguiça, mas isso é outra história, afinal o rapaz ao lado já é morador contumaz deste terreiro, quiça, a esta altura não seja até dono da sombra. Passo por ali seguidamente e, a menos que a invisibilidade da miséria me engane, não o reconhecia.


Mas, como dizia, vinha eu suado e atrasado, correndo, passando por uma praça central desta pobre cidade quando me deparo com esta cena: uma pilha de entulhos e lixo, onde, como diria um amigo, havia "de um tudo", desde placas de sinalização a restos de comida, embalagens vazias, monitores de computador, caixas e mais caixas de mudança como se a espera para serem arrumadas, sem pressa é claro, porque nem tudo ali era recente pelo que se notara, inclusive a delicadeza de alguns vasos de plantas que, por mais algum tempo, estariam de vez enraizadas. Não sei, não tenho bem certeza, mas acho que já havia visto esta cena, confundo, pois passo ali freqüentemente, mas, novamente, a invisibilidade da miséria e da falta de perspectiva de ação dos serviços públicos ajudaram a enganar o ritmo desta instalação, antes fosse uma instalação e não uma mudança, pelo menos teria aplauso pela mensagem e significado... profundos.


Agora a imagem se completa, e pena que era apenas um celular e não uma máquina, pois no momento não pude fazer nada a não ser ficar contemplando a cena completa. Ali já corri com meu filho um dia, tenho fotos antigas de minha infância com a família, mas isso faz tempo, muito tempo. O que importa, hoje, é que o contingente cria uma obra-conceito e une a miséria e o descaso em uma manifestação espontânea de arte, e sem saber, o homem que dormia sob a sombra junto a seus restos e pertences finalmente consegue ser visto, pelo menos por alguns como eu que não pude desta ignora-lo.

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