26 janeiro 2007

Clima



Copo de Amaretto, um som de fundo, Harry Conick Jr.
A janela, um pouco menor do que devia, não expõe Manhattan em descortino, mas apenas uma parede suja, muito próxima e contínua. Meu loft esta mais para "basement", e não importa se com isso me afundo, este espaço é pequeno, mas sou o dono deste mundo. Afasto o puff de jeito, um chute, voam cartas, dois passos, os primeiros para a esquerda, para direita, sem compasso. Olho meio para o lado, esqueço dos olhos fechados, quebrada de quadril indiscreta, vertígem confunde meus astros. A parede escura intimida, mas mantenho elevadas ao vento, as mãos que afastam tristezas, também perdem-se em movimentos. Tanto som embaralha propósitos, "Kissing a Fool", essa é bem animada. Meu gosto mistura estílos, espalho mais uma almofada, néscio reviro Gershwin no túmulo, antes que outra vida o faça, esqueço qualquer contratempo, agito alegria escassa. Pijama surrado, sem robe, nem smoking, nem fumo ou cigarro, até a fumaça que cerra, é arrogante, é leve mas falsa. Mais uma embalada e já durmo! "When a fall in love", já é tarde, vizinhos chegarão em grupos, para saber do que se trata. Celine é pop e brega, olha o nível da bebida! As calças alargadas expoem nalgas, de fino, só sorver delicado. Blue Note, é uma bruma cerrada, mas meu gueto não passa da sala. Sax, tenor, que saco! Cade o cd emprestado? É Getz, Dexter e Gordon, me sinto obeso e nauseado, Coltrane, não me vejo mais jovem, opa, o puff, tropeço. Desajeito no estofado, cheiro velho a preconceito, vem do prédio, aqui na frente, ou será que é do lado? Bille, Ella me abandona, licor doce derramado, tonto de amor não me encontro, tonto de dor revirado. Vaughan, "vaudeville", sou um astro, isto é um teatro de espetáculos. Broadway, minha relação não esta em voga, Sara, ameniza sem cura. Aretta, acabou meu amaretto, perdi as calças, estou exausto. Me jogo em qualquer copo sujo, e é por aqui que me apago...

3 comentários:

O Micróbio II disse...

Bem jogado... :-)

Anônimo disse...

Espetacular jogo de palavras que dançam com a música até a exaustão. Muito bom!

Bianca disse...

Nossa, como me enxerguei aqui.
Com algumas variações na seleção musical.
Mas ...quantas coincidências!!
Sim, meu amigo, você tem razão.
Ando me repetindo, e isso é em parte porque as emoções se repetem, os ciclos se completam e não se renovam, RECICLAM.
Vida reciclada, palavras repetidas, emoções gastas, palavras usadas.
Assim, meu caro, é assim que ando, aos tropeços.

Mas vim dizer que estou de volta.
De alguma forma estou.
E deixar meu abraço, também cheio de saudade.

Beijo,
Bia