
Acordar não é bem a verdade, porque nem dormi. Duas noites de plantão mexem consideravelmente com meu humor, que já anda degradado.
Mal chego em casa e recebo o primeiro telefonema de alguém com uma lista de favores, todos envolvendo outras pessoas, ou seja, fazendo-me de intermediário de chato. Antes conto até dez pensando se acolho o chamado, mas, como era o quarto a ser desprezado, não há como dizer que não se veja, atendi irritado.
Resolvo, é melhor tomar um café fora de casa e ter o desprendimento em deixar o celular desligado.
Tenho um bom livro para isso, leio "Memórias de uma Guerra Suja", pesado mas bom para exorcizar meu desagrado.
Moro no sexto andar de antigo prédio ultrapassado, geralmente desço rápido, se tenho presso uso as escadas, mas desta o elevador ficou no décimo quinto andar parado. Foi tempo suficiente para a faxineira pedir receitas controladas, contar o porquê disto em mazelas: do abandono do terceiro namorado, das filhas adultas desempregadas, dos netos a serem sustentados, do corte de luz e do pouco salário, e até resolver mostrar-me a língua, cheia de aftas espalhadas. A senhora do apartamento ao lado, que do corredor tudo espia e comenta, por certo pensou ter flagrado um beijo - entre o médico vizinho solidário e a assanhada empregada- o suficiente para roteirizar mais uma fofoca elaborada.
Na curta viagem fantástica: berra a criança esfomeada; a "tampa" (desculpem os politicamente corretos) fica agita; a mãe se desculpa - esfarrapada; e eu quase choro de dor, esmagado, onde não devia, pelas hastes do pequeno carro.
Fujo ao café para repouso e leitura breves programados, mas me faltam o livro e a carteira com dinheiro, deixei-os perdidos em casa, volto abatido e vencido, desisto... menos uma chance para a liberdade.
Um comentário:
pelo menos recebi a tua visita nesta inesperada manhã!
bj
Melina
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