02 abril 2012

Pedras

Nesta cidade sobraram poucas pedras que não foram asfixiadas pelo asfalto. Tenho sorte de morar perto de uma rua esquecida ou propositalmente preservada e, então, poder, sobre seus reflexos, retomar antigas madrugadas .

Vejo quando usei o macacão de operário em  brim azul e índigo, comprado para o carnaval e sentindo-me na importância de vestir como um adulto. A festa era ali onde os moradores acompanhavam das janelas e onde colocavam cadeiras quando era possível separa-las apenas  por cordas frouxas amarradas pelos postes.

Meu melhor amigo era cego; a ele emprestava meus olhos em troca de sua alegria, superação e vivências. Caminhávamos em profundas conversas até a luz do dia indicar a mim que amanhecia, e para ele o calor e a percepção afinada de escutar um improvável som do primeiro ônibus que despontava ao longe para nossa despedida.

Havia um clube,  o nome do português que fez o convite esqueci, mas não do baile e da cerveja, nem  de sua prima desconhecida que pisava em meus pés,  e depois da dor dos sapatos apertados até chegar em casa.

Outra, mais tarde, ofereceu-me a mão para que a levasse, corrigindo que eu não sabia como segura-la apertou-me os dedos, mas, porém, cedeu ao beijo, deu-me  filhos e fez com que meus pais fossem a delegacia, afinal, não percebemos... mas novo dia amanhecia.

Das novas fases a terminar no bar da sopa onde a música e a companhia, de tardia boemia, fez-me conhecer solitários pelo nome,  suas histórias e desapontamentos.

Hoje carrego o necessário fardo do trabalho sem preocupar-me com o horário ou turno e sempre que posso cruzo por estes paralelepípedos.

Espero que continuem ali, descobertos,  brilhantes como espelhos da memória.









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