10 abril 2007

Invasão


Coloquei uma linha telefônica nova justamente para não ser encontrado. Não é só por ser esquizito, depois do seqüestro fantasma e alguns telefonemas estranhos era praticamente necessário, deixei a anterior com BINA para um atendimento selecionado. A cada toque do antigo corro para ver se reconheço o remetente, e num exercício enjoado e cansativo escolho se devo ou não dar meu alô. Então, para as horas de repouso e fins-de-semana, nesta nova e recém comprada, a semelhança da linha direta do Batman, deixo-a apenas para os muito intimos, com a ressalva de que jamais a distribuisse. Sem tempo para divulgar o segredo, até porque ainda não apaguei de vez o celular, outra intervenção maldita, ninguém, exceto eu a conhecia.
Agora, aqui, quieto a observar a imagem inspiradora acima, viajando nas lembranças de carnavais passados, talvez até por outras vidas, tentando escrever algo a altura em tal calmaria, recolhido sem culpa ao exercício do ócio recuperador de uma manhã forjada de folga, até que ouço tocar meu velho telefone, não vermelho, mas alouçado preto comprado em brique por valioso preço, e escolhido como imagem para tal finalidade, privacidade. Barulhento, desperta como um eco, digo, berro, do passado que estava por ali aproximado.
Qual o que, atendo por instinto, esquecendo que ninguém poderia me achar por este meio, e inocente digo um "pois não" entre educado e sincero.
"Sim? Com quem deseja falar?", pergunta boba para quem estava só com os pensamentos, mais ainda por me desejar anônimo. "O senhor Marcelo se encontra?", lembra uma daquelas inexpressivas vozes típicas de operadoras de telemarketing. De imediato recorro ao fato. Afinal como teria sido descoberto? De que adiantara trocar endereço se continuaria sendo incomodado? Perguntou em nome de intrometida empresa se conhecia seus desagradáveis serviços. Não cheguei a saber se era Plano de Saúde ou Funerária, furioso, bati a gancho sem completar sequer uma segunda frase. Para que nova conta, não há sequer a possibilidade de estar camuflado? Volto a figura de onde procurava inspiração e lembro, onde hoje estamos sempre sendo observados, antes uma fantasia só como do menino já bastava. E dá vontade de cortar de vez os laços, seja em linhas ou recados para ficar por lá, para sempre, no passado.

Um comentário:

Anônimo disse...

acho interessante como é que apenas agora - na era do celular - tais trotes foram tornados possíveis...